sábado, 14 de janeiro de 2017


CONTO: O ALIENISTA

D. Evarista: o pragmatismo masculino em benefício da Ciência

 

            Esse conto começa demonstrando um aspecto evidente no contexto da época: a reificação da mulher, vista como coisa, como um objeto para ser usado, preparada para ser mãe e do lar.

            Vejamos como o autor a apresenta no texto:

 

Aos quarenta anos casou com D. Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva de um juiz-de-fora, e não bonita nem simpática. Um dos tios dele, caçador de pacas perante o Eterno, e não menos franco, admirou-se de semelhante escolha e disse-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas,   únicas dignas da preocupação de um sábio, D. Evarista era mal composta de feições, longe de lastimá-lo, agradecia-o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os interesses da ciência na contemplação exclusiva, miúda e vulgar da consorte.

 

         Essa visão que se tinha da mulher no século XIX é claramente ressaltada pela apresentação feita por Martins (2004, p. 11):

A historiadora Yvonne Knibiehler perguntou em um artigo seu publicado pela revista Annales em 1976, por que ocorreu uma regressão na condição feminina após a Revolução Francesa, em particular no começo do século XIX, regressão esta que marcou profundamente a vida pública e privada das mulheres. A autora explica que as mulheres do período pré- revolucionário e mesmo as das primeiras fases da Revolução tiveram importante participação política, exercitando seus direitos de republicanas ao expressar livremente suas idéias, reivindicar os direitos civis, fundando clubes onde discutiam política e elaboravam propostas visando à melhoria das condições de vida das cidadãs. Knibiehler compara esse momento de intensa participação e atuação das mulheres com o processo duplo de exclusão da vida política e de reclusão à esfera doméstica, ocorrido logo depois, salientando o papel dos médicos e da constituição de um discurso científico voltado para as diferenças sexuais com a finalidade de demarcar espaços políticos de gênero cuja fundamentação não estava na religião, mas na forma de conhecimento mais elevada da razão humana: a Ciência.

 

         Portanto, o que destacamos aqui é que a Machado constrói como maestria e perfeição uma personagem que significa historicamente o estereótipo feminino da época.

         Cabe destacar que esse conto está classificado entre os primeiros textos da fase realista do autor, tendo, portanto, caráter bastante contemporâneo da situação sócio-histórico-econômico da época.

         Nesse contexto, é admirável a sagacidade e competência com que o autor busca utilizar a ciência como amparo para reforçar todas as características da personagem, o que demonstra mais uma vez sua amplitude de visão e leitura da situação de sua época.

 

 

 

Referências:

 

MARTINS, Ana Paula Vosne. Apresentação. In: Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX [online]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004, pp. 11-20.