segunda-feira, 6 de março de 2017


“A Cartomante”, o escritor narra uma a história do triângulo amoroso entre Vilela, Rita e Camilo, evidenciando o adultério, tema abordado em várias histórias do autor. Mostra a visão objetiva e pessimista da vida, do mundo e das pessoas. O autor faz uma análise psicológica das contradições humanas na criação de personagens imprevisíveis, trabalhando com insinuações em que se misturam ingenuidade e malícia, sinceridade e hipocrisia.

O conto sem final feliz foi publicado por Machado de Assis em 1896 em Várias Histórias. O livro é representativo da segunda fase do escritor, que abandonou o Romantismo para inaugurar o Realismo. Assim este conto é o objeto de estudo desta análise, já que como tantas outras relatam de forma sutil e intrigante aspectos tão presentes em nossa sociedade.

A cartomante, esta é assim descrita: "Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos." Na adjetivação quase uma antítese. Quem diz sonsos, parece insinuar a falta de inteligência, a precariedade do diálogo, olhos de alguém perdido no próprio mundo. Por outro lado, agudos alude ao poder de penetração desse olhar, no caso o olhar da cartomante, com força para descobrir o íntimo do outro, até o que está por vir.

Temos um narrador onisciente, que conta ao leitor uma história de adultério (Vilela, Camilo e Rita).  Assim é apresentada a história de uma mulher casada que se torna amante de um amigo de infância de seu marido.  Embora seja o centro da narrativa, o tema do triângulo amoroso é, na verdade, um pretexto para mais uma revelação dos dilemas da consciência, da relatividade dos valores, bem como das fraquezas morais a que todos estão sujeitos, esse sim, o verdadeiro fio condutor dos contos de Machado.

Vilela é um magistrado que abandonou a carreira e se casou “com uma dama, formosa e tonta”. Camilo é um funcionário público e, segundo o narrador, “Camilo preferiu ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público”; Rita, apesar de ingênua, é como as figuras femininas da galeria machadiana, astuciosa e sedutora “Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado”. Camilo enfrenta um dilema moral menos por ser amante de uma mulher casada que por trair a confiança de um amigo. Deixou de frequentar a casa de Vilela talvez porque quisesse “diminuir os obséquios do marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato”. O narrador está preocupado em vasculhar os desvãos da consciência, sempre mais reveladores da essência oculta sob as aparências.

O fim trágico, que não seria tão surpreendente se o leitor não tivesse a expectativa de um final feliz, é, no fundo, previsível. O narrador cria uma espécie de armadilha, que prende o leitor pela identificação com Camilo, e, em seguida, choca-o com o desfecho abrupto – e irremediavelmente óbvio. Camila e Rita, convertidos em personagens de dramalhão, são, todavia, punidos não pelo adultério, mas pela ingenuidade.  O homem ser adúltero é uma forma de legitimar o comportamento masculino, transformando-o em dado natural, a mulher é o problema. Ela se oferece e se nega, provoca e recusa, tece cumplicidade e recusa a abordagem – a mulher encarna o lado tentação, o lado sensualidade, o lado provocação, a culpada pelo adultério.

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